sexta-feira, março 6

A quem se pode recorrer?!

A quem posso dizer dos fatos que me entristecem, do que me causa consternação e revolta para que haja uma solução imediata do sofrimento alheio?! Não sei, se não a mim que já faço minha parte, somente a você que ainda vem por aqui e tira um pouco dos minutos para ler minhas palavras. Pronomes de tratamento serão dispensados, porque ilustríssimos são os trabalhadores do mundo a fora que se sacrificam com salários mínimos para sustentar famílias, e mesmo diante de toda dificuldade, ainda sorrir e esbanja receptividade ao receber visitas. Não sei se você já notou, mas as festas dos mais humildes são sempre melhores, não é preciso traje completo para seguir o passeio, e a mesa estar sempre farta dos nossos tradicionais pratos. Meses atrás voltava da Universidade e me deparei com uma cena que me marcou muito, via um senhor de cabelo grisalho se agachar para comer plantas, especificamente mato. O mato da praça que crescia por descuido. Aquela situação mexeu comigo até hoje, e não há um dia em que nas minhas refeições não lembre daquele homem, que assim como eu, teria todo direito de desfrutar de seu almoço como ser humano e não como um animal ruminante que se apossa da sua capacidade de digerir mais facilmente a celulose e sacia o seu pasto. Infelizmente não pude parar e proporcionar uma alimentação descente para aquele senhor, mas aprendi a não reclamar da comida que me é servida, embora não seja do meu agrado, porque pior seria não ter nada, absolutamente nada pra comer. Não consigo me dar com o sofrimento do outro de uma maneira natural, nem sou exemplo de humano a ser gravado nas sentenças da memória dos bons samaritanos que se fazem canonizados com o tempo. Sinto-me indignada pelas contradições que são claras, pela quantidade de terras desocupadas e muitos sem chão, pela ostentação de muitas casas e outras de taipas, por um país que tem em sua base económica a agricultura e tantos com fome, por quem tem tanto e nada faz, e por quem tem tão pouco e doa mais. Os trabalhadores que enxergamos nesse mundo, mulheres e homens sacrificados na luta diária para conseguir o alimento do dia, calar o grito da fome, saciar a sede quando a água ainda é para tantos riqueza endurecida, perdida na absorção do calor do sol em seus cenários secos, desolados na dor do outro, na sua própria dor ao conduzir latas d’água na cabeça, enquanto outros podem se dar ao luxo de um poço artesanal em suas residências. Enquanto a luz de muitos não vem, o sono também não chega e o dia nasce mais rápido, porque é da luz do sol que muitos dos trabalhadores controlam o seu tempo, e na fé que a esperança mesmo sucumbida faz eles acreditarem nas suas proles desgarradas tão cedo.
A escravidão ainda existe por tantos cantos, a abolição foi da cor, da raça negra que se degradava nos açoites, apesar do preconceito assolado que impregna a cabeça das pessoas,ainda que o branco seja geneticamente tão negro quanto. O trabalhador da roça, do sol quente, das estradas, dos salários baixos, os empregados domésticos que deixam de ser gente para tornassem animais. O choro, o descuido, a magreza, a humilhação, a dor de não conseguir enxergar por mais bolsas que o governo queira dar uma vida melhor, uma vida que possa ser construída no calor do esforço mas com bem estar, porque vida fácil não faz crescer, faz muitos se apossarem do que é do outro, sonegando seus impostos, distratando das responsabilidades e se colocando prepotente na frente daquele que não ostenta dinheiro, status, prestigio social, mas tem muitas vezes muito mais amor e sorriso a ser demonstrado, embora esteja descalço, com os pés rachado a sua frente, e o rosto ainda que mais novo na idade, bem mais velho que o seu. Quantas pessoas precisam somente de atenção, porque foi dela que ouvi dizer quando perguntei a um mendigo que sempre me fazia companhia na espera do ônibus para minhas viagens a Universidade Estadual. Não tinha quem pudesse adivinhar pela sua aparência, o quanto de conhecimento e sofrimento existia por traz dos seus trajes. Ele me perguntava se havia lido o jornal do dia, me questionava, e ,embora às vezes, me parecesse com a psique abalada, não me deixou de responder quando o indaguei se ele era feliz. Lembro da sua expressão cansada, mas serena em que me dizia ter sido feliz hoje, porque havia tido a minha atenção. Eu não pude ir mais além, a rotina me tirou dos seus dias, não pude mais oferta-lhe comida, nem a minha atenção, mas fiquei com a lição. Não sei até onde teremos tempo para acreditar que ainda pode haver mudanças, o estimulo é sufocado a cada novo dia, e os meus filhos que dirão pra ele do mundo em que vivi, que farão eles do mundo onde vão viver?! É triste não saber mais o que é igualdade, quando o esfacelamento das pequenas coisas também se vão na esperança, no descaramento multifacetado dos políticos que são escolhidos dentro de uma “democracia” conquistada por nós. E que democracia, os justos pagam com a impunidade dos sem escrúpulos! Meus filhos ainda saberão do amor que vive, porque dentro disso tudo, desse cenário de nada compassivo no qual estamos vivendo, alguns seres humanos ainda restarão para dar atenção ao próximo, para se preocupar em fazer a diferença e por mais difícil que seja, lutar pela justa causa. Eles não serão estimulados a serem políticos, demagogo estereotipados pelo caráter de tantos, mas serão seres humanos natos capazes de ajudar o próximo, e de doar o que lhes forem possíveis. Dos pequenos passos nascerão os largos e firmes.
Não posso viver em paz com tudo que me cerca, e por não poder fazer muito, ainda resta o meu pouco. É dele que busco, retribuo e doo, ainda que me quebrem as pernas, seguirei nos meus passos miúdos, mas com a intensidade do meu coração.

12 comentários:

  1. Mocinha,

    Fico feliz em ver que ainda há gente que se preocupa com o próximo, que tem maturidade o suficente para perceber o quanto a vida pode ser dura.

    E o mais importante, que você siga, mesmo com tantos obstáculos no caminho. Não deixe de acreditar.

    Beijos.

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  2. Que belo texto Luana... Seu coração falou da realidade de nosso país! Não podemos fechar os olhos e sermos indiferentes ao sofrimento alheio. São pequenos gestos que mudam a sociedade. É necessário saciar a fome, dar dignidade à tantos e isso implica em muita coisa. O poder está nas mãos de alguns, mas seus interesses são notoriamente contrário a estes que você colocou.

    Achei o texto belissimo, mas o que mais me tocou foi você ter dado atenção àquele "mendingo" que ficava no ponto de ônibus. Porque uma das maiores coisas que podemos dar à um ser humano é o amor.

    "Hoje muitos choram, mas não desistem de viver" (Rosa de Sarom)

    Abraços

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  3. Ah, você vai participar da blogagem coletiva sobre Inclusão Social?!
    No meu blog tem o link da organizadora, serão aceitas inscrições até amanhã e a blogagem será na segunda.
    Participe!
    Deixe seu nome no Blog da Ester (ESTERANÇA)
    bjs

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. é pena que a justoça não se faça em nosso país, Lu.
    Se tudo fosse mais justo, até as oportunidades seriam mais amplas e os sofrimentos compartilhados.
    Mas, pelo visto, continuaremos seguindo a velha máxima de uns com muito e outros com tão pouco-mas o pão e circo tá sempre liberado, claro!
    adorei o post
    Mari

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  6. Olá Luana. depois de tanto tempo visito novamente o seu espaço e me surpreendo com sua beleza e principalmente palavras. Já presenciei coisas bem tristes tb e vi que pouco q podemos fazer (uma atenção, por exemplo) pode fazer uma diferença enorme pra quem só está acostumado com a exclusão em suas tão diversas formas.
    Abraços e parabéns.
    Eduardo Almeida (Fortaleza - Ce)

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  7. Luana tem selinho para vc no meu blog.
    Bj!

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  8. Simplesmente um dos posts mais perfeitos! Gostaria de lê-lo em uma coluna do jornal, ou em fuma página de revista! Você tem realmente opiniões que tocam e palavras que encantam! Parabens!
    E comentando... Um dia ganharemos nossas lutas de paz!
    =*

    ;D

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  9. O mundo é assim e sempre será assim, porque os seres humanos são assim.
    O que a gente pode fazer é a nossa parte, pequena para o mundo, enorme para cada um que ajudamos.

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  10. Sempre que leio textos sobre o assunto, Lu, ainda que expondo realidades cruas, me sinto levemente reconfortada.

    O motivo? Ainda existe alguém que se preocupa.

    (:

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  11. vamos combinar...isso é um protesto social que precisava ser mais ouvido...vc não é a primeira nem a ultima a se contrariar com tudo isso q acontece de errado...esse nosso desequilibrio social...

    espero ver um dia milhares,ou milhões de pessoas com consciencias e atitudes como a sua...de ceer um espaço publico pra falar dos menos favorecidos..

    evd

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Palavras salvas.