domingo, setembro 18

Voltar a ser quem eu era.



"O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade."

(Clarice Lispector)


Quase perco o equilíbrio quando descobri que o meu mundo já não era mais como antes. E que as coisas banais que me fazem sentir livre das responsabilidades diárias, tinham ficado vazias como a impressão que tenho do tédio.



Tornei-me cética, e a invencibilidade dos fatos tomaram conta da alma leve e colorida que preenchia os dias cálidos. A modernidade me tomava em gotas, e eu a tomava em doses. Impressões de que a vida já não era tão simples como me restava entender frente às fraquezas, aos desgostos durante os meus espasmos sonhadores, se esvaíram. Sempre foi mais fácil encarar com a minha contestação sentimental e clichê.


Quase tudo era triste e aparentemente sem sentido. Racionalizei as vias sentimentais como quem transgride as funções vitais do corpo. Racionalizei as metades, e o espírito de aceitação ficou fora da rota emocional e comovente. Aliás, comover-se era um verbo fugidio, para tocar àquela alma inquieta de sensibilidade não bastava mais qualquer dose de realidade, era preciso um fundo musical e a certeza da verdade, afinal, estamos presos à encenação do sofrimento. De alguma forma precisa-se conseguir a compaixão do próximo, já não se doa amor como antes.


Passei a não me arriscar e a entender - não aceitar - a solidão. Se as noites de outrora me levavam a uma imagem divertida e espontânea do mundo, passei a perceber vazios e falta de sentido nas noites das alegrias contaminadas de farras.


Foi aí que descobri a força do Jazz, do Blues, da música ambiente, do som das seis, dos projetos discretos e tão sentimentalistas, dos bons restaurantes e das leituras noturnas. Percebi que a memória é meu objeto de analise habitual, mais do que um simples objeto de pesquisa. E descobrir estas vias não me foi tão bom quanto parece, pois passei a me sentir mais sozinha do que já era.


Senti saudade de ser livre. Livre das cobranças profissionais, do culturalismo exacerbado que passou a corrigi meus passos. Livre da necessidade de letramento que me persegue. Livre do cotidiano sem graça que me faz ser funcionária pública, descrente, fria e muitas vezes chata pela falta de entusiasmo. Saudade de ser quem eu era, sem a estúpida preocupação das contas, dos planos, dos projetos futuros e da autocobrança de ser alguém melhor.


De tudo que eu fui, o que me restou foi o medo do pouso do avião, o amor e a dedicação pelos meus amigos, alguns sonhos e a teimosia que o zodíaco diz ser característica do taurino. Mas, foi quando passaram a me cobrar sorrisos que percebi claramente que muita coisa precisa voltar a ser como antes, sem o peso da rotina, e o pé da letra de uma vida adulterada.


Desde então, tornei-me mais reflexiva as miudezas e tenho tentado voltar a ser quem eu era antes de conhecer a vulnerabilidade que o lado chato da responsabilidade me levou. Por alguns segundos, serei criança e banal. Se me perceberes assim, não me repreenda, estou tentando ser mais leve, assim como eu era antes de ser corrompida por esta vida adulta e sem graça.






E ainda há quem acredite que as pessoas não mudam...

3 comentários:

  1. mudamos todos os dias..
    o que fomos quando criança, desenhados em preto e branco pelos nossos pais,
    agora colorimos com as cores do nosso destino...

    bjs.Sol

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  2. Fui corrompida por este mundo cinza e ainda tento entender o que aconteceu, estou em uma luta diária para encontrar as cores que um dia já me fizeram muito feliz e confiante...

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Palavras salvas.